O que Freud faria diante de uma paciente de meia-idade atravessando o Complexo de Édipo com o pai nessa fase da vida?
Freud descreveu o Complexo de Édipo como um momento crucial do desenvolvimento infantil, no qual a criança vivencia sentimentos ambivalentes: desejo inconsciente pelo genitor do sexo oposto e rivalidade com o do mesmo sexo. No entanto, quando esse conflito não é resolvido adequadamente, seus efeitos podem perdurar na vida adulta, como parece ser o caso aqui.
O pai sempre a protegeu, tratando-a como uma "rosa" dentro de uma redoma, à semelhança da metáfora no Pequeno Príncipe. Em determinado momento da vida, a paciente se percebe sozinha dentro dessa redoma, enquanto todas as outras pessoas estão "em festa" do lado de fora. Ela, no entanto, permanece isolada, protegida, mas também presa.
Essa "redoma" representa uma sobreproteção paternal que, embora motivada por amor, impediu o desenvolvimento de uma autonomia emocional plena. O isolamento emocional, como se o mundo estivesse em festa do lado de fora, reflete o fato de que o processo de separação necessário para que ela se integre à vida e ao mundo adulto de forma independente ainda não foi completado.
Decidida a quebrar essa redoma, a paciente enfrenta grande dificuldade. Apesar de seus esforços, as amarras que a prendem são invisíveis e transparentes, revelando um vínculo emocional que não pode ser facilmente rompido.
Melanie Klein sugere que o processo de separação é doloroso, pois envolve o reconhecimento da independência do outro e de si mesma, muitas vezes provocando uma sensação de perda. Essa dificuldade em cortar a ligação invisível com o pai pode ser interpretada como uma forma de luto pelo rompimento da proteção paternal.
Donald Winnicott, por sua vez, destacou que o papel dos pais é proporcionar uma base segura para o desenvolvimento da criança, mas também permitir que ela construa sua própria identidade e autonomia. Ele propôs o conceito de "ambiente suficientemente bom", onde os pais oferecem segurança, mas gradualmente se afastam para permitir que o filho enfrente o mundo sozinho. No caso dessa paciente, o pai não permitiu esse afastamento, prolongando o estado de dependência emocional.
A questão central remete ao conceito de "separação-individuação", proposto por Margaret Mahler. A paciente, em sua busca por independência, distanciou-se da família, especialmente do pai, e abandonou preocupações familiares. Quando ele estava por perto, ela tentava manter-se o mais distante possível, embora a conexão invisível ainda existisse.
Agora, ela tenta completar um processo que, normalmente, ocorre muito antes. A "ligação invisível" que persiste pode ser vista como uma internalização da dinâmica familiar, na qual ela ainda se vê emocionalmente presa, mesmo tentando se distanciar.
Jacques Lacan expandiu o conceito freudiano do Complexo de Édipo ao explorar a entrada da criança no campo do simbólico. Ele descreveu o pai como uma figura que estabelece limites, ajudando a criança a adentrar a ordem simbólica da linguagem e das normas sociais. Nesse caso, o pai parece não ter imposto essa separação necessária, deixando a paciente "presa" no campo do imaginário, sem a ruptura simbólica que a permitiria seguir sua vida de maneira mais autônoma.
Lacan diria que o "Nome-do-Pai" – o símbolo da autoridade paterna que interrompe o desejo incestuoso e facilita o acesso à realidade – não foi adequadamente internalizado na história dessa paciente. Isso resulta na dificuldade de cortar as ligações invisíveis e simbólicas que a mantém presa.
A paciente questiona: "O que Freud faria?"
Freud poderia sugerir que, na teoria, caberia ao pai cortar essa ligação emocional, mas, na prática, cabe à própria paciente realizar esse corte. O processo de individuação tardia, que ela está vivendo, exige a ruptura com a proteção paterna, simbolizada pela redoma. O distanciamento físico pode ser um primeiro passo, mas o rompimento emocional requer um trabalho de análise mais profundo.
Elaboração da Separação: A paciente está em um momento de individuação tardia, o que significa que precisará "quebrar" essa redoma protetora. O distanciamento físico é um ponto inicial, mas o corte emocional real exige uma elaboração mais consciente e profunda.
Reconhecimento da Dor da Separação: Como Klein sugere, reconhecer a dor do luto por essa separação pode ser crucial. A paciente está deixando de ser a "rosa" protegida para se tornar uma mulher autônoma, e esse processo envolve uma perda simbólica, que precisa ser enfrentada.
Análise das Amarras Invisíveis: Freud possivelmente indicaria que as amarras invisíveis têm raízes profundas no inconsciente. Explorar esses laços durante o processo analítico, buscando compreender o que se ganha e o que se perde ao manter-se ligada ao pai, pode abrir caminho para a autonomia emocional.
Por fim, Freud talvez concluísse que, ao quebrar a redoma, a paciente encontrará um novo nível de liberdade e individualidade. No entanto, esse caminho passa por um doloroso processo de rompimento emocional, que precisará ser enfrentado e elaborado ao longo da análise.
* Conversa hipotética entre analisando, analista e um suposto (ou imaginário) Freud
* Caso fictício
Por Kathya M Barioni