Primeiro a gente começa, depois a gente melhora: Uma reflexão psicanalítica


Nos últimos dias, deparei-me com um meme amplamente compartilhado, especialmente entre a Geração Z: "Primeiro a gente começa, depois a gente melhora". A imagem que acompanha essa frase geralmente ilustra um antes e depois de algo que foi aprimorado ao longo do tempo. Essa popularização levanta questões profundas sobre a maneira como lidamos com processos de desenvolvimento e aperfeiçoamento.


Para gerações anteriores, essa lógica era quase implícita: é impossível melhorar algo que nunca foi iniciado. No entanto, na era digital, a crença de que tudo deve estar perfeito antes mesmo de ser exposto tornou-se uma barreira para a ação. Esse pensamento reflete uma ilusão grandiosa, pois, como nos ensina Jacques Lacan, "o ideal do eu" muitas vezes nos aprisiona em uma busca incessante por uma perfeição inalcançável, afastando-nos da experiência concreta do erro e da aprendizagem.


A psicanálise nos mostra que o medo da exposição e do julgamento externo tem raízes profundas no inconsciente. Freud já afirmava que o ser humano é movido por desejos e ansiedades, e um dos maiores receios da sociedade contemporânea parece ser o da reprovação pública. As redes sociais potencializam essa angústia, pois expõem cada indivíduo a um número indefinido de espectadores, transformando a necessidade de aceitação em um obstáculo à criatividade e ao progresso.


Além disso, a hiperconectividade nos mantém em constante comparação com os outros, tornando-nos cada vez mais críticos em relação às próprias criações. Donald Winnicott, ao discutir o conceito de "self verdadeiro", enfatiza a importância da espontaneidade e da experiência autêntica. No entanto, o medo do erro e da imperfeição nos conduz a uma postura defensiva, na qual preferimos não começar a nos arriscar a falhar publicamente.


Dessa forma, a viralização desse meme pode ser interpretada como um reflexo da necessidade de reafirmar algo óbvio, mas que, paradoxalmente, tem sido esquecido: tudo tem um começo. A idealização excessiva da perfeição antes da ação apenas paralisa o indivíduo e impede o crescimento. Como afirmava Carl Gustav Jung, "quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta". Em vez de nos deixarmos aprisionar pela aprovação alheia, devemos nos permitir iniciar, errar e aprimorar – pois é nesse ciclo que reside o verdadeiro aprendizado e desenvolvimento.


Assim, ao invés de satirizar a realidade por meio de um meme, seria mais produtivo resgatar a simplicidade do óbvio: a ação precede a melhoria. Afinal, o verdadeiro aperfeiçoamento não está no resultado final, mas no processo contínuo de construção e evolução.