A Geração Z e o Shifting: Uma Análise Psicanalítica sobre Educação e Realidade


Por Kathya M Barioni - Psicanalista

Recentemente, o conceito de "shifting" ganhou popularidade entre adolescentes e jovens adultos, prometendo a possibilidade de "mudar de realidade" por meio de técnicas como visualização, meditação e hipnose. Embora essa prática pareça atraente, ela também pode refletir uma relação complexa entre a geração atual e as consequências de uma educação permissiva, que, segundo a psicanálise, pode ter efeitos negativos profundos no desenvolvimento emocional.

A Permissividade e seus Efeitos

Donald Winnicott, um dos principais teóricos psicanalíticos, ressaltou a importância da frustração saudável no processo de desenvolvimento infantil. Em sua obra, Winnicott (1960) introduz o conceito de "mãe suficientemente boa", defendendo que a criança precisa experimentar limites e frustrações adequadas para desenvolver um senso de realidade e de autoestima. Essa frustração é fundamental para que a criança aprenda que o mundo não gira em torno de suas necessidades imediatas, criando um espaço onde pode gradualmente se sentir segura em suas experiências. Quando os pais evitam frustrar seus filhos, ao cederem a todos os seus desejos, eles inadvertidamente criam adultos que não sabem lidar com as frustrações inevitáveis da vida.

A Fragilidade do Jovem Adulto

Quando esses jovens entram no mercado de trabalho, se deparam com um ambiente competitivo que exige responsabilidade e comprometimento. Alice Miller enfatiza que a falta de limites na infância pode levar a adultos que não conseguem lidar com a frustração, sentindo-se desamparados e inseguros em situações desafiadoras (Miller, 1984). O mundo do trabalho, que muitas vezes é implacável e cheio de exigências, pode desmoronar as expectativas de jovens que cresceram em um ambiente onde não eram confrontados com limites ou não eram preparados para o "não".

Essa transição é especialmente desorientadora, pois os jovens se veem lançados em uma realidade que não se encaixa com suas experiências anteriores, levando a crises de identidade e sentimentos de inadequação. A psicanalista Julia Kristeva sugere que essa busca por novas realidades pode ser uma forma de fuga de um mundo insatisfatório, destacando que "o ato de sonhar não substitui a necessidade de ação e reflexão" (Kristeva, 1991). Aqui, o shifting se torna um símbolo da incapacidade de enfrentar as duras verdades da vida, levando à frustração e à ansiedade.

Escapismo e a Busca por Validação

O fenômeno do shifting pode ser visto como uma forma de escapismo, onde a meditação e a visualização se tornam substitutos para a ação real. Essa busca por validação externa — seja por meio de redes sociais, substâncias ou experiências fugazes — alimenta um ciclo de insatisfação. **Erich Fromm** discute como a falta de conexão com a realidade pode gerar alienação, levando os indivíduos a se sentirem distantes de si mesmos e do mundo ao seu redor (Fromm, 1941). Essa desconexão pode resultar em uma dependência de experiências que proporcionam prazer imediato, mas que não oferecem crescimento ou aprendizado.

Responsabilidade na Educação

É crucial que tanto os jovens quanto seus pais reflitam sobre essas dinâmicas. A responsabilidade na educação é compartilhada, e os pais devem reconhecer a importância de estabelecer limites claros. Anna Freud, em suas discussões sobre a autoridade parental, sugere que "a figura dos pais deve ser percebida como um suporte emocional, e não apenas como um facilitador de desejos" (Freud, 1966). Os pais devem cultivar um ambiente onde as crianças possam explorar suas emoções, aprender com as frustrações e desenvolver uma base sólida para enfrentar a vida.

Conclusão

A cultura do shifting, embora ofereça uma promessa de escape, não aborda a necessidade fundamental de encarar a realidade. É essencial promover uma abordagem que valorize não apenas a mudança de realidade através de visualizações, mas também a ação consciente e a aceitação dos desafios que a vida apresenta. Somente assim poderemos construir uma geração mais resiliente, capaz de enfrentar as dificuldades do mundo moderno, reconhecendo a importância de limites e da frustração como partes integrantes do processo de crescimento.


Referências

- Fromm, E. (1941). O Medo da Liberdade. Editora Paz e Terra.

- Freud, A. (1966). O Ego e os Mecanismos de Defesa. Editora Martins Fontes.

- Kristeva, J. (1991). Estrangeiros a Nós Mesmos. Editora Rocco.

- Miller, A. (1984). A Drama da Criança Superdotada. Editora Martins Fontes.

- Winnicott, D. W. (1960). Os Processos Maturacionais e o Ambiente Facilitador. Editora Artmed.